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sábado, 10 de novembro de 2012

Saudades (A dor que dói mais)


Hoje tive saudades. Não foi a primeira vez. Saudades todo mundo tem o tempo todo. Sinto saudades do tempo em que eu achava que podia escrever minha própria história da forma como eu mesmo quisesse, parece que foi ontem. E antes tivesse sido. Pelo menos, não teria saudades hoje. Mas nem sei se seria bom não ter hoje o que inevitavelmente teria um dia. A final nada na vida é pra sempre. Ou, como diria a música, o pra sempre acaba. Em outras palavras, Vinicius de Moraes teria dito que, além da morte ao que vive, só se pode ter por certo a saudade para o que ama. Saudade dói. Dói mais que picada de abelha. Dói mais que injeção de benzetacil. Dói mais que... Dói. E pra piorar sempre volta e não tem remédio que cure.

A DOR QUE DÓI MAIS
Martha Medeiros

Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, doem  Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Doem essas saudades todas. 
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.




Um comentário:

  1. Conheço bem a dor da saudade. Quando a gente vive mais, vai deixando para trás muita coisa de que passa a sentir falta... Pessoas, amores, lugares, um tempo que não volta mais! Sabe o que me conforta? A sensação de ter vivido tanta coisa boa. Pior é aquele que não tem nada pra lembrar... Pense assim.

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